Vejo dunas...sem fim...
Sinto a temperatura ardente deste paraíso que se tornou inferno. Molho o rosto com a água que me resta. Espero. Espero a morte no meio do deserto. Oiço Tuaregues a gritar. Aquele grito quase ensurdecedor que mais parece uma daquelas aves estranhas a cumprir um ritual de acasalamento...
Sinto a febre a subir. O calor é infernal... Estou dentro de uma gruta onde me abriguei depois de me ter perdido no deserto. Houve um acidente. Não quero recordar... Quero apenas que ela chegue para me levar... Estou em sofrimento. Não sinto as pernas, nem tão pouco a cabeça. Só sinto esta febre letal a galopar. Chamei por ajuda. Silêncio... Nada...Ninguém.
Estou assim, há dois dias.
Oiço as vozes nas tendas, os murmúrios dos templos...oiço o barulho do curtir das peles. Sinto-lhes o cheiro. Aquele cheiro intenso e quase insuportável. Sinto as crianças a correr de um lado para o outro nos mercados das Medinas com as suas traquinices, de olhos postos nos turistas, especialmente os de cabelos claros. Vejo os Tuaregues a tocar djambés à volta de uma fogueira nas frias dunas da noite. Sinto o crepitar da madeira que arde iluminando aquele lugar onde o céu parece cair em cima de nós... Vejo mulheres com túnicas de cores exóticas a dançar, parecendo autênticas cobras...
A febre faz-me entrar em delírio. Vejo o que não vejo. Sinto o que já vi e senti. Aguardo a chamada. A partida ou a chegada. Uma mistura ambígua que me divide entre o viver e o morrer. Passam horas sem fim. As minhas forças desfalecem. O som dos Tuaregues desaparece. A fogueira apaga-se. A água acabou. Estou seca e desidratada. Fecho os olhos e morro. Não sinto nada. Está tudo escuro...não oiço vozes, não vejo anjos nem demónios. Apenas sinto que já não sou eu, com corpo, matéria. É como se estivesse fora de mim, a flutuar. Não sei explicar. Sinto-me em movimento.
Morrer é isto? Sentirmo-nos vivos mas sem vida?
Não esqueço, porém, as coisas que me aconteceram. Os momentos que vivi no deserto são os mais vincados dentro de mim.
O que será neste momento o "dentro de mim" ? Estranho...
Mas morri. No deserto.
Sei que morri...
T.
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