... Saio do hotel onde estou hospedada.
Sinto aquele frio seco que me entra pelo narizito a dentro.
Aconchego o meu casaco castanho, ponho as luvas e o gorro preto.
Começo a caminhar pela rua fora. São 18.30 e já é noite. Inverno... Um Inverno que sabe a chocolate e que cheira a croissants...
Olho as montras das lojas que estão enfeitadas para a época natalícia.
Há um brilho e uma musicalidade especial no ar...aquele sentimento que nos invade quando chega o Natal.
Entro no café do Mr.Girardi que me cumprimenta com aquela graciosidade que desde cedo me prende aos Franceses....Não há muitas pessoas que entendam, normalmente acham-nos arrogantes e antipáticos. Discordo sobejamente.
Sento-me na mesa e peço o meu café au lait, um croissant à la confiture aux fraises e fico a olhar as pessoas que passam na rua. Gosto de estar aqui. Gosto do que sinto, da energia desta cidade. O Mr. Girardi é um homem dos seus 60 anos, muito bem disposto, natural da região de Puy de Dôme, na Auvergne e com um brilho no olhar que serei incapaz de esquecer.
Traz-me o croissant e a meia de leite e pergunta-me naquele tom que me atrai: est-ce que vous voulez de la crème frâiche sur votre café 'demoiselle?. Eu sorrio e aceno-lhe com um jeito meio nervoso: Oui , je vous remercie!.
Gosto de ali estar. Saboreio as natas e o croissant. Hmmm..... que delícia.
Lá fora tocam harmonica e acordeão, crianças dançam, pessoas passam apressadas para comprarem os seus presentes. O Natal está ali à porta. Há magia e luz nesta cidade.
Passa de repente um sujeito de porte misterioso que entra no café e se senta literalmente à minha frente. Observa... O Mr. Girardi conhece-o, parece-me. Pede-lhe um café e uma tuille au chocolat, para quem não sabe é uma bolacha gigantesca em forma de telha, crocante como as "Belgas" e forrada de um dos lados com chocolate. Tem aproximadamente 1 cm de grossura. Um delírio, posso-vos dizer com conhecimento de causa...
Ficamos ali, os dois, cada um na sua mesa a observar a rua. Com aquele olhar atento mas ausente e disperso por aí... É bonito. Tem uns olhos enormes, castanhos, um sorriso maroto ( vejo-o a rir para as crianças ), umas mãos igualmente bonitas, que dão vontade de tocar. O cabelo é castanho, tem umas patilhas meio encaracoladas, a precisar de um aparo, diria. Uma boca de um tom rosa velho que apetece beijar. Mas o que mais me prende naquele momento é o olhar daquela criatura. Vejo uma luz, sinto uma enorme proximidade. E, no entanto, nunca o havia visto... É engraçado como um estranho pode provocar em nós milhentas sensações. Vou pagar a conta e quando vou a sair olho-o. Inclina a cabeça como que a dizer : eu estou aqui e estive contigo enquanto aqui estiveste...
Vou embora com um sorriso nos lábios. Apetece-me falar-lhe, voltar a vê-lo, ir novamente àquele café. Mas estou apenas de passagem pela velha Paris...
Quantas pessoas não terão encontrado alguém que lhes tocasse na alma assim? De repente, inesperadamente? Ou numa viagem, ou num lugar qualquer? Um olhar que se cruza e que se calhar nunca mais se vê na vida.... Quem teve coragem de procurar o dono/a de um determinado olhar? Quem teve a audácia de ir falar com alguém que não conhecia de lado nenhum? Quem é que acreditou e foi, em frente, sem pensar nas consequências? Provavelmente muitos de nós... E assim se vão vivendo estórias e tirando ilações para a vida. E assim corações se vão cruzando, dando lugar a vivências para mais tarde recordar.
Paris é a cidade do romance, a cidade do amor, a cidade onde "tous le garçons et les filles de mon âge se promènent dans les rues....".
Paris. A Cidade Luz.
T.
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